quarta-feira, 6 de abril de 2011

Lesão medular e exercícios no calor

Site de medicina esportiva da Gatorade: www.gssi.com.br
Traduzido por Mário Ayres Diniz de Oliveira

Maria T.E. Hopman, Ph.D. Member, GSSI Board of Advisors for Science and Education, Europe Department of Physiology, University of Nijmegen Rob A. Binkhorst, Ph.D. Department of Physiology, University of Nijmegen The Netherlands

PONTOS CHAVE 1. A capacidade de regulagem de temperatura do e exercícios físicos é uma função de quatro fatores · A quantidade de calor produzida dentro do corpo; · O transporte de calor dos músculos para a pele; · A habilidade de dissipação de calor para o ambiente; · A capacidade do corpo em se ajustar fisiologicamente para continuar a regular a temperatura. 2. Durante treinos físicos, o atleta que tem disabilidade por lesão medular, da mesma forma que os atletas normais, enfrentam os riscos do estresse pelo calor. No entanto, a lesão afeta o volume de sangue em circulação, produção de suor e regulagem de calor além de influenciar a capacidade termoreguladora. 3. O risco de estresse por calor aparece na em indivíduos com lesão acima de T6, porque eles são incapazes de aumentar os batimentos cardíacos para manter, quando o sangue precisa ir para os dois locais, músculo e pele e porque eles possuem capacidade de transpiração reduzida. Introdução Oportunidades de competição em para-desporto, avanços em tratamentos médicos e terapias de recuperação funcional de deficientes físicos e o reconhecimento que exercícios físicos são benéficos tanto para deficientes como não deficientes físicos, têm contribuído para a participação crescente de PNEs (portadores de necessidades especiais), no esporte. Assim como os atletas normais, os PNEs enfrentam limitações de fadiga e performance, nutrição e necessidade de líquido, e a possibilidade do cansaço pelo calor. Neste relatório, nós iremos discutir termoregulação e função cardiovascular em atletas PNEs. Nós faremos várias recmendações para a redução da chance de se ter problemas com o calor e para retardar a fadiga em atletas PNEs. Princípios de termoregulação Em repouso, o corpo humano produz calor aproximado de 70W, ou 1Kcal/min, podendo chegar a 2100W (30Kcal/min) durante o pico de treino de um atleta. Porém a esta taxa de produção de calor depende do tipo de tabalho e eficiência mecânica para a execução de uma tarefa. A energia que não é dissipada como calor do corpo será transformada em trabalho mecânico. O exercício mais eficiente em humanos é o ciclismo, com uma eficiência de aproximadamente 20 a 30%. O restante da energia, cerca de 80% da energia metabolizada, é perdida como calor pelo corpo. Tecnicamente, em descanso e durante atividades como caminhar e correr, por exemplo, atividades sem resistência externa, pouco ou nenhum trabalho externo é realizado, todo o calor produzido pela energia metabólica será dissipada pelo corpo como calor. A quantidade total de calor liberado pelo corpo não é dependente apenas da taxa de metabolismo e eficiência mecânica, mas também na duração da atividade. Por exemplo, a quantidade total de calor liberado pelo corpo durante 8h de sono é de 115KJ (480Kcal), no entanto o total não passa de 35KJ (150Kcal) para um atleta realizando exercícios no nível de 2100W (30Kcal/min). A razão para isso é que o atleta só é capaz de realizar exercícios a esse nível por 5 minutos. O atleta produz uma quantidade bastante grande de calor em conseqüência de exercícios de alta intensidade por tempos prolongados. O calor irá acumular no corpo se as vias de dissipação e evaporação de suor mais a radiação e o fluxo do calor a partir da pele estiverem indisponíveis ou em mal funcionamento. A temperatura do corpo então irá subir para níveis muito altos. Se uma pessoa corre a 15km/h e o corpo não puder liberar o calor por alguma razão, a temperatura interna aumentaria para além dos 40ºC (104ºC em 15 min.). Consequentemente , exercícios pesados prolongados nesse calor aumenta o risco de vida. Durante os exercícios, o calor corporal é gerado primeiramente nos músculos ativos. O mecanismo de transporte, que inclui circulação sanguínea e condução entre os tecidos, trás o calor até a pele. Na pele, a evaporação, fluxo de calor, radiação e condução, pode transferir o calor da pele para o ambiente. Algumas situações podem impedir a liberação de calor. Por exemplo, a evaporação de suor irá estagnar quando a umidade do ar é alta. Também quando a temperatura do ar for mais alta que a temperatura da pele, fluxo do calor, radiação e condução irão resultar na transferência do calor do ar para o corpo. Para manter a temperatura do corpo dentro de uma faixa segura, os seguintes fatores devem ser considerados: a. a intensidade e duração do exercício e da eficiência mecânica para o esforço a ser realizado (isso define a qantidade de calor a ser liberado pelo corpo); b. a circulação sanguínea e volume de sangue (isso define o transporte do calor dos músculos para a pele); c. a quantidade de suor produzido e a temperatura e umidade do ambiente (isso determina quanto calor poderá ser dispensado para o ambiente); d. a capacidade do corpo fazer outros ajustes fisiológicos para conseguir continuar a regular a temperatura. Por exemplo, durante o exercício, fluxo sanguíneo é deslocado do fígado e outros órgãos internos para os músculos e para a pele. Essa redistribuição de fluxo sanguíneo aumenta a função muscular e dissipação de calor sem diminuir o ritmo cardíaco ou causar grandes variações na pressão do sangue. O leitor pode consultar mais informações sobre esse tópico em uma edição mais atualizada de Sports Science Exchange por Nadel (1990). Características dos indivíduos com lesão medular Em atletas lesados medulares, três dos quatro fatores necessários para regular s temperatura são afetados (Binkhorst, 1995; Hopman, 1993, 1994). Especificamente, o volume de sangue em circulação, produção de suor e superfície de pele disponível para transferência de calor com o ambiente, são afetados e podem danificar a habilidade do atleta em permanecer refrigerado durante exercícios físicos. Nesta seção, discutiremos como esses fatores são afetados e como pode alterar a termoregulagem nos atletas com lesão medular. A extensão da forma como a circulação é afetada depende do nível e gravidade (completa ou incompleta) da lesão medular. A figura 1 identifica os possíveis níveis de lesão. Depois de uma lesão completa acima de T6, a regulagem simpática do coração é afetada, o pulso se mantém baixo e a força da contração do miocárdio é danificada. A distribuição do sangue abaixo do nível da lesão é danificada devido a falta de vaso constrição dos órgãos internos do abdômen e pélvis; isso reduz a habilidade de redistribuição de sangue durante o exercício. Além disso, o fluxo sanguíneo nos músculos e pele, como também a atividade das glândulas de suor são danificadas abaixo do nível da lesão medular. Figura 1: Diagrama do Sistema Nervoso Central e as saídas neurológicas para o Sistema Nervoso Motor (Enervações da musculatura esquelética) e Sistema Nervoso Autônomo (órgãos internos, vasos sanguíneos, glândulas de suor). Enervações relacionadas ao nível de lesão são indicados. Baseado nessa informação, indivíduos lesados medulares podem ser classificados em grupos. Uma lesão completa entre T6 e T10 não afetará a função cardíaca. No entanto, o sistema simpático de vaso constrição abdominal e órgãos da pelve, é ausente abaixo desse tipo de lesão. A regulagem das glândulas de suor e controle do fluxo sanguíneo para os músculos e pele abaixo da lesão, também são danificados. Com uma lesão completa em T10 ou abaixo, haverá a perda do centro de regulagem de vasoconstrição da região pélvica, redução de fluxo de sangue para as pernas (músculos e pele), e uma atividade de transpiração reduzida abaixo do nível da lesão. É esperado assim, que durante os exercícios, as respostas fisiológicas de indivíduos com lesão medular no calor sejam diferentes das respostas de um atleta normal e que as mudanças irão depender do nível e tipo de lesão medular. Indivíduos com Lesão medular que se exercitam no calor Tipicamente, indivíduos com lesão medular, utilizam os braços para levar a cadeira em que sentam para fazer os exercícios. Os 8 – 15% de eficiência mecânica dos braços é menor do que a eficiência no ciclismo. Consequentemente, uma parte substancial de energia metabólica nessas pessoas irá se transformar em calor nos músculos. Assim, o estresse térmico é maior comparado ao de exercícios de perna a determinada taxa de metabolismo, devido as desvantagens cardiovasculares no suporte a termoregulagem (retorno venoso diminuído, baixo volume de pulso)(Sawka 1986). Uma serie de experimentos relatados por Hopman (1994) demonstraram o efeito dos exercícios prolongados no calor nos lesados medulares. Três grupos de paraplégicos treinados, do sexo masculino (P) com lesão medular completa e um grupo de controle (C) participaram desses experimentos. Os níveis de lesão, com mais de dois anos, eram T2-T6(P1), T7-T9(P2), e T10-T12(P3). Os indivíduos realizaram 45 minutos de pedalagem com os braços a 40% de suas cargas máximas, 462W (6,6Kcal/min), 362W (5,2Kcal/min), 333W (4,8Kcal/min), 282W (4,0Kcal/min), respectivamente, para os grupos C, P3, P2 e P1. Por causa dos diferentes valores de saída de potencia, as quantidades de calor a serem dissipadas, diferiam entre os grupos mesmo mantendo os mesmos padrões de ambiente (35ºC, 70% de umidade relativa do ar e vento abaixo de 0.1m/s). Os pacientes beberam água. Taxa de metabolismo, batimento cardíaco, pulso, temperatura retal, temperatura da pele acima e abaixo da lesão, e perda de suor e fluídos foram anotados. Circulação sanguínea na lesão medular Um achado do estudo de Hopman (1994) foi que indivíduos com lesão acima de T6 Estavam em risco de estresse por calor durante o exercício. Durante o exercício no calor a taxa de metabolismo de cada grupo se manteve estável durante os 45 minutos, sugerindo que a eficiência mecânica permaneceu consistente e que os indivíduos não ficaram cansados. No entanto, aqueles com lesão acima de T6 experimentaram um decréscimo nos batimentos cardíacos durante os exercícios devido a diminuição no volume de sangue bombeado pelo coração, em conjunto a um pequeno aumento nos batimentos cardíacos. Este último é uma conseqüência da falta de enervações simpáticas de controle do coração como resultado da lesão. A média de batimentos em indivíduos com lesão acima de T6, alcançou apenas 110 Bpm, o outro grupo atingiu a 130-150 Bpm ao final do exercício. A altas taxas de batimento os dois grupos mantiveram o volume de sangue que é bombeado para o coração no mesmo nível, mesmo com o volume de sangue bombeado do coração tendo diminuído durante os exercícios de maneira que o fluxo central de sangue foi reduzido como conseqüência do aumento do fluxo sanguíneo para a teremoregulagem (Gass $ Camp, 1987). Quais as implicações disso para pacientes e atletas com lesão medular acima de T6 ? Durante exercícios prolongados em ambiente de calor, a circulação precisa manter uma pressão sanguínea adequada para prover de sangue, os músculos em atividade e ao mesmo tempo a pele, e longe do fígado, rins e aparelho digestivo. Se o volume de sangue que sai do coração, não consegue atender os as duas demandas, a primeira prioridade do organismo é manter a pressão sanguínea (Binkhorst & Hopman, 1995). A pele irá receber menor quantidade de sangue e a temperatura do sangue irá subir, e o risco de falência dos órgãos por calor aumenta. Uma redução no volume de sangue bombeado a partir do coração como aquelas que ocorrem nos indivíduos comlesão medular acima de T6 indica que o sistema circulatório não consegue atender o aumento de circulação sanguínea exigido pelo organismo em um ambiente de calor. A TEMPERATURA DO CORPO EM INDIVÍDUOS LESADOS MEDULARES Em repouso e no início dos exercícios, a temperatura da pele (Tp) que recobre tronco e pernas de atletas sem lesão medular, no estudo de Hopman (1994), foi parecido (35ºc), indicando uma distribuição homogênea de fluxo do sangue por todo o corpo. Ao contrário, em todos os indivíduos com lesão medular, a temperatura das pernas era de 32ºC, cerca de 4ºC abaixo da temperatura da pele acima do nível da lesão (próximo a 36ºC), indicando danos ao fluxo de sangue abaixo do nível da lesão. Ao final do período de exercícios, o tronco e pernas de indivíduos tinham temperatura homogênea (36-37ºC), já no grupo de lesados medulares, Tp do tronco foi de 38ºC, claramente mais quente que a Tp das pernas (34ºC). Parte do calor produzido durante os exercícios é comunicado pelo sangue para as pernas de indivíduos com LM, o que explica o aumento da Tp abaixo do nível da lesão. No grupo P1 o pequeno aumento na Tp das pernas (comparado a os outros grupos P) pode ser devido a baixa taxa de metabolismo alcançada durante exercícios e a um distúrbio maior na distribuição sanguínea. A alta Tp do tronco dos LM acima de T6, comparado a indivíduos com lesões mais baixas e de atletas normais pode estar relacionada a danos no sistema de produção de suor dos indivíduos do grupo P1. O exercício e ambiente usado no experimento de Hopman (1994) não levou os indivíduos a limites extremos de temperatura. No entanto, baseado nas taxas de temperatura retal (Tr) (Gass ET al.,1998) e temperatura total do corpo (Tc) (Tc = 0,2Tp + 0,8Tr), exercícios de maior duração em LM acima de T6, podem colocar esses indivíduos em risco. A temperatura Tr tanto dos LM quanto dos normais (inicialmente 36,1-37,4ºC) aumentou 0,5-0,8ºC. O índice de temperatura do corpo aumentou 2-3% para C e P. A Tr mais alta foi de 38ºC em indivíduos normais e nos LM acima de T6. A temperatura total dos normais e dos LM abaixo de T6, aumentou do repouso (35,5-36,8ºC) ao final do exercício (36,5-37,5ºC) e demonstrou que se comportam da mesma forma. No entanto, em LM acima de T6, a temperatura do corpo cresceu linearmente (de 36,5 para 38,0ºC) até o final do exercício, sem demonstrar um limite máximo. TRANSPIRAÇÃO EM LESADOS MEDULARES O ambiente relativamente quente usado no experimento de Hopman (1994) demonstrou que o meio mais importante de dissipação de calor, é através da evaporação de suor. Existe uma relação linear entre a produção de suor e liberação de calor pelos indivíduos dos 4 grupos: 718,425,335 e 172g de suor foram liberados respectivamente pelos indivíduos: normais, T10-T12, T7-T9 e T2-T6. Uma relação linear também foi encontrada entre a produção de suor e o tamanho da superfície acima da lesão medular que se encontrava em funcionamento. No entanto, o fato de que Tr e Tp começaram a se nivelar até o final do teste, indica que a transpiração manteve estável o equilíbrio térmico nos indivíduos normais e com LM abaixo de T6. Ao contrário, indivíduos com LM acima da T6 não atingiram equilíbrio entre produção de calor e dissipação de calor durante o exercício. RESUMO O estresse de calor durante o exercício físico é uma preocupação de todos os atletas, na maioria dos casos, atletas com LM são fisiologicamente capazes de realizar exercícios de pedalar manualmente em experimentos. No entanto, durante exercícios, o volume de sangue bombeado pelo coração de pessoas com LM, é menor do que em indivíduos normais (Hopman ET AL., 1992; Davis ET AL., 1990). O baixo volume de bombeamento do sangue em LM pode ser um fator limitante para a realização dos exercícios, especialmente no que diz respeito ao calor quando o bombeamento do sangue cai e o ritmo cardíaco tenta compensar para manter o fluxo sanguíneo. Para indivíduos com lesão medular acima de T6, a combinação de calor e exercícios, pode levar a complicações circulatórias e ou a temperaturas corporais inaceitáveis. Nesses indivíduos, o ritmo cardíaco atinge níveis mais baixos do que em pessoas normais e lesados medulares em níveis mais baixos. O coração não consegue manter o fluxo sanguíneo para músculos e pele em indivíduos com lesão medular acima de T6. Consequentemente, o fluxo de sangue para a pele é diminuído, e a temperatura sobe indesejavelmente. Em situações cardíacas mais extremas (alta temperatura e alta umidade) e ou durante exercícios de alta intensidade, atletas com lesão medular são mais suscetíveis a problemas de estresse por calor do que indivíduos normais. Além disso, os efeitos do estresse por calor podem ser maiores ainda se o indivíduo não está totalmente hidratado. É importante que, para atletas com lesão medular, seus treinadores e técnicos tenham ciência das condições de ambiente; para realizar as mudanças apropriadas na intensidade do treinamento, ambiente (fechado, aberto), duração, e para garantir a hidratação apropriada durante exercícios. Da mesma forma que atletas normais, os atletas lesados medulares, devem usar roupas leves, e devem permanecer sempre alertas a sinais de potenciais problemas com o estresse de calor, como a fadiga, dores de cabeça e tontura. Devem também se aclimatizar gradualmente a ambientes de exercício muito quentes.